quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Regularidade


Embora as redes não mais funcionem;

Embora o Estado esteja em falência;

Embora o sistema esteja um caos;

Embora a página não possa ser exibida;

Embora os pastores sejam amigos dos lobos;

Embora o legal justifique o imoral;

Embora o mal pareça triunfar sobre o bem;

Meus intestinos continuam a funcionar regularmente.


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, 06/10/2016

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Tsunami


Tsunami, venha e me leve.
Lave os caminhos, arrase, lave, leve.
Seja breve.

Sim, eu sei, ao chegar eu sei que morro.
Eu prometo, eu não corro – Inútil desatino.
De longe traga nessas águas meu destino.

Traga tudo que existe nessas ondas.
Nessas massas tudo trague.
Nessas vagas que assombram.

Lave as orlas.
Invada o mar o continente.
Lave, leve as vidas desta gente.

Leve, lave as ruas da cidade.
Trague, cale os piedosos penitentes.
Afogue os presentes, os passados, os ausentes.

Leve os corpos afogados.
Lave os fatigados pavimentos.
Leve o meu corpo em meio aos excrementos.

E se faça toda fúria suave calmaria.
Então retorne ao seu leito n’oceano.
E se faça o silêncio logo após cair o pano.
E repousem as memórias na placidez das águas frias.


Pedro Viegas.
Porto Alegre, dezembro, 2001.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Vivendo


Perdeste o jeito.

Teus olhos não são mais os mesmos
e os cães já não te fazem festa.

Teimas em despertar para fazer o mesmo
a cada dia mais curto.

Perdeste o jeito, mas contens
uma centelha.

Perdeste o jeito e estás contido
em contos nunca escritos.

Teus olhos correm ao prato
de mangas fatiadas.

E ainda continuas vivendo
pretendendo se andradiano.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Cachoeirinha, 01 de agosto de 2016.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Calor


Consumido me sinto sob o Sol
A cada inspirar
A cada espirar.

Consumido me sinto sobre a Terra
Procurando minha sombra
Derretida em suor.

Combustível, sinto-me liquefeito
Como se de fato fosse
Uma parte dessa estrela.


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 12/02/2014


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Cigarras

A você, que acredita que a cigarra explode:

Por que motivo é tão difícil
Acreditar que ela simplesmente
Descarta o exoesqueleto vazio e seco

Antes de sair cantando
Até explodir nossos ouvidos
Nessas nossas tardes vazias e secas?

Abafadas tardes de cigarras explosivas.


Gravataí 31/12/2013


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Prata


A prata da Lua
Quisera fosse vermelha
Fosse verde ou azul
Uma cor menos crua


A prata de sempre
Do astro sem luz que espelha
Espelha e espalha silente
A luz da velha estrela


Que noutro lado do mundo
Performa o giro do dia
O dia de sempre
O giro sem rumo
A noite de sempre
A sempre velha luz fria


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre 02 de fevereiro de 2002


domingo, 7 de julho de 2013

Idiossincrasias

O estranho ser colecionava homens em gaiolas e costumava escolher ao acaso algum deles e submetê-lo à dor. Isso fazia com que o homem produzisse música, o que era bom para o estranho ser. Por conseguinte, a dor seria algo bom para os homens, já que a resposta era algo assim tão bom. Ora, a música dos pássaros...
 
Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, 07 de julho de 2013.
 

sexta-feira, 10 de maio de 2013

O molusco


Choveu um pouco neste final de tarde. Na noite quieta
sobre a floreira, discreto, um caracol espia seu mundo. Não.
Hoje não estou disposto a matar nada. Pego o simpático molusco
e o coloco sobre uma Saintpaulia. Alguém não gosta disto. Não,
não vou atirá-lo às pedras da rua.
Agora ele deve estar continuando sua busca. Talvez
pense ao seu modo invertebrado.
E eu continuo sem saber se sei se vale a pena pensar.



Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, maio, 2005.

sábado, 27 de abril de 2013

Um bem-te-vi pousa na caneleira

 
Um bem-te-vi pousa na caneleira.
 
Quisera tu poder dizer o que sentes,
           mas, vazio de sentidos,
limita-te a ver a ave pousada
           e a ouvir seus gritos
que não decifras.
 
Teu silêncio abre caminho
           entre a luz;
Refletido pelas folhas,
           pequenos sóis gritando "bem-te-vi".
 
Teu silêncio é denso e sem sentido
           e num átimo a ave o percebe
e alça voo até outro paradeiro.
 
Ficam as folhas e seus sóis agora quietos
           acompanhando teu silêncio.


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 12/01-28/04/ 2013.

domingo, 21 de abril de 2013

Não se mate


 Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
Reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
Não se mate.
 

- Carlos Drummond de Andrade

A garganta de Mengcheng

Minha nova casa
      na garganta de Mengcheng
onde velhas árvores
      e salgueiros ainda resistem.
Quem nela vai morar,
      quando eu me for?
Ah, preocupações vãs
      com coisas tão passageiras!


- Wang Wei

Visita

Ao sul de meu rancho, ao norte,
      por toda parte
      chuva de primavera.
Dia após dia eu só enxergo
      o voo das gaivotas.
Trilhas repletas de flores,
      por que varrê-las?
E para vós, abro enfim
      a porta de junco.
O mercado é longe,
      e para o almoço
      não tenho muita escolha.
Quanto à bebida,
      a casa é pobre
      e só posso vos oferecer
      vinho rústico.
E se convidássemos meu vizinho
      para se juntar a nós?
Vou até a cerca chamá-lo;
      juntos acabaremos
com esse jarro de vinho.


- Du Fu

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Levíssimo incenso


Não estou tranquilo. Passa o dia irremediável.
Apesar dessa doçura, apesar dessa leveza
      envolvente em tudo, ainda assim
não estou tranquilo.

Essa leveza de coisa que evapora. Essa doçura
      dissolvida no silêncio.
Não estou tranquilo.
-É a vida que docemente se esvai como levíssimo incenso.
Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 14/03/2013 - 17/04/2013

sábado, 13 de abril de 2013

Macerófagos



I

Enquanto maceram-se os alimentos

Vão se ruminando os pensamentos

As azias que corroem

As idéias que corrompem

Regurgitam-se trituradas

As mais preciosas esperanças



II

Cavalo que sou

Macerei do melhor

E no fino manto relvado

Esterquei minhas abjeções



Asno que sou

Ponderei mais que o devido

E por vezes descobri tardiamente

O erro do caminho escolhido



III

Macerado, deglutido

Dia a dia ingerido

À mesa do tempo que passa

Repleta, farta dos eventos servidos



Macerófagos, todos juntos macerando

Revirando, remoendo, desfazendo a solidez

Devagar se esvai o sumo

Devagar se encontra o rumo



Macerófagos macerantes

Mastigam, trituram

Músculos, ossos

Folhas, fibras e sementes



Ruminam dúvidas, certezas e temores

Dilaceram as próprias esperanças

Num macerar sem sabores



Pedro Luiz Da Cas Viegas

Porto Alegre. Junho, 2001.

sábado, 6 de abril de 2013

Você acaba de chegar do lugar onde nasci

Você que acaba de chegar
     do lugar onde nasci:
deve saber de tudo
     o que acontece.
Por favor,
     antes de partir,
viu se na frente da janela com a cortina de seda
     a pequena ameixeira de inverno
já estava florida?


-Wang Wei


sábado, 2 de março de 2013

Luz

A luz do poente contra as vidraças
Reflete nesta sala uma cor dourada.
Na água que bebo sorvo dessa luz
E sinto luminoso sabor de vida,
Essa vida que correu entre estrelas,
Escorreu entre as vidraças,
Alcançou a minha água
Iluminou meu paladar
E foi-se em gotas de ocaso.



Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí,      03/03/2013

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Caro Dr.


Caro Dr.

Não suporto ignorar o meu próprio ser.
Preciso ser o que sou nesta alma vivente.
Por mais que seja a droga potente,
Esta alma não tem mais recurso.
Eis que a vida surgiu de um impulso.


Caro Dr.

Permita viver meu niilismo abjeto.
Permita viver meu viver sem projeto.
Permita agora caminhar com meus passos,
Sem querer explicar as razões dos fracassos.


Caro Dr.

Não pretendo me enquadrar no modelo vigente.
Por mais que eu erre não deixarei de ser gente.
Por mais saciado não estarei satisfeito:
Na mais bela flor somente vejo defeitos.


Obrigado Dr.

Sinto agora aceitar minha percepção deste mundo.
Aceito, desejo e alimento cada vez mais profundo.
O que eu quero e talvez tão logo consiga.
Tantas outras insânias minha alma persiga.
Paciência Dr.
A conta Dr.
Até quando Dr.


Pedro Luiz Da Cas Viegas.
Porto Alegre, 02 de Julho de 2001


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Casamento do céu e do inferno

No azul do céu de metileno
a lua irônica
diurética
é uma gravura de sala de jantar.

Anjos da guarda em expedição noturna
velam sonos púberes
espantando mosquitos
de cortinados e grinaldas.

Pela escada em espiral
diz-que tem virgens tresmalhadas,
incorporadas à via-láctea,
vaga-lumeando...

Por uma frincha
o diabo espreita com o olho torto.

Diabo tem uma luneta
que varre léguas de sete léguas
e tem ouvido fino
que nem violino.

São Pedro dorme
e o relógio do céu ronca mecânico.
Diabo espreita por uma frincha.

Lá embaixo
suspiram bocas machucadas.
Suspiram rezas? Suspiram manso,
de amor.

E os corpos enrolados
ficam mais enrolados ainda
e a carne penetra na carne.

Que a vontade de Deus se cumpra!
Tirante Laura e talvez Beatriz,
o resto vai para o inferno.


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Planos

Pegar algo,
Fazer algo.
Pegar um cão e passear.
Pegar um carro e rodar.
Pegar um martelo
Inserir prego em madeira.
 
Pegar uma pedra e atirar.
Pegar ventos
Aspirar frios.
Aspirar e tremer.
Tremer e parar.
 
Pensar no próximo passo.
Passo a passo
Estacionário impasse
Quem tiver vontade de aço
Que minha vontade trespasse
E arranque desta cadeira
Esta cabisbaixa caveira
 
Mostre o caminho do sol
Não consigo sorrir
Vou pegar o espelho
Atirar ao pavimentado passeio
-Meus cacos sérios
Serão pisoteados
E ficarei quieto
Meu peso na alma
 
O grito trancado por trás do gradil
Agarro uma grade - o vão é estreito
O horizonte que vejo
A avenida e o vento
Caniloquazes chamados
Serei eu, serão eles?
 
Pedro Viegas
 
Porto Alegre . 7, outubro, 2001.



domingo, 2 de dezembro de 2012

Protopenso

Protopenso em azul vazio
Para libertar a mente deste moedor
Mói dor
Mó de medo

Protopenso leves flores
Sem venenos ou espinhos
Brisa fresca no relvado
Inocentemente verde
Protopenso fugir desta rede

Sinto mais do que penso
Protopenso



Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 29/09/2012

sábado, 1 de dezembro de 2012

A adega de dias perfeitos


Tema recorrente
Avilóquios, canilóquios
Dia ensolarado
Vozes, risos
Gentes dormitam saciadas
Ressonam profundamente
Adormecidas no vazio

Tema insistente
O mesmo tema, sempre o mesmo
O que haveria de mudar
Com que poder
Com que vontade
Alterar eternidade?
 
Vai aonde?
Vai à festa?
Festa após festa
Após festa e o que resta
 
Após uma longa doce sesta
Acumulando um currículo de horas festejadas
Acumulando um montículo de horas bem gozadas
A conclusão há de chegar curta e certa
 
O tempo é destilado dos eventos
E o sono o impregna de fermentos
Avinagrado, o fim do dia engarrafado
Rotularei mais um na minha adega
Mais um litro deste vinho descarnado



Pedro Luiz Da Cas Viegas

Porto Alegre, janeiro 2003

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Maya

Crio.
Crio para o breve instante.
Sob a luz, crio sombras.
Na água, crio ondas.
Crio meus passos n'areia
E movimento no espaço.
Vibra no som que crio
 Esta voz que logo calo.
E crio minha ilusão.
Minha doce esperança.
Crio minha memória
Destinada ao olvido.
Minha vida inteira,
Minha obra efêmera.
Meu breve instante.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 23/11/2012

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Indo para casa


Indo para casa.

Indo para casa esqueço os detalhes mínimos que ali encontro.
No subúrbio matrizes gritam para as crias os gritos gritados a gerações.
As coisas paradas quase revelam minha vontade.
Milhares ou centenas de milhares de latidos ociosos.
Panelas e seus conteúdos fervem, quando há o que ferver.
Panelas também podem se tornar ociosas.
O trânsito é louco, enlouquece, flui na sua forma sólida, metálica, emborrachada, sobre uma matriz asfáltica.
Flui e pára incessante, dotado de vida própria.
Centenas de muitos milhares de células em vias confusas, apertadas
entre cinzas e avermelhados de prédios e nuvens carregadas de um ócio sem chuva.
O pensamento se torna ocioso nestes tórridos passos com cheiro de fuligem do diesel.
Os caminhos quase sempre se confundem embora sejam sempre os mesmos, embora não existam outros.
Sinais luminosos, sonoros, sinais pichados nas paredes, sinais de cansaço, tédio, dúvida, esperança, felicidade.
Estou quase chegando.
Logo vou lembrar de algo.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre,  8/4/2004

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Randomatizes II

enquanto ouvindo música de caixilho de ouvido
à luz do lusco fusco renovando
quadrimoto, segue plenosexo à gaitada
em reviravolta: coitividas de meio em meio turno

em meio, ao sabor, emolduradamente
a turbilhões, a colmeias de enxames (quantas, quantas)
cascatarias de concordantes margaridas
e seus pólens e estames e estigmas

oh meu ser, o que seria desta luz
sem os meus olhos a ver obra toda esta

pulsa à flor daquela pele
e tão profunda - mente - pulsa
que és parte plena
de tudo algo e convulsa


Pedro Luiz Da Cas Viegas
29 de outubro de 2012


quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Verdade

A verdade.
A verdade e suas lâminas.
A verdade e suas pétalas.
Andar no fio da verdade.
Verdade
Mal te quero
Bem te quero.


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, 18 de outubro de 2012

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Fuga chuvaz

Chuva para embalar sonos 
Sonos para afastar 
Afastar qualquer coisa 
Coisa da qual se fuja 
Fugindo da chuva 
Chovendo na fuga 
Fuga chuvosa 
Chuva fugaz 
Chuva fugosa
Fuga chuvaz 


Pedro Luiz Da Cas Viegas 
Porto Alegre, 04/09/2001

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Coincidência

Benditos frutos que brotam
De casa em casa
Da urbe, locais de dormir.
E os frutos se mostram
De casa em casa
Após tanto tempo,
Na urbe, locais de sorrir.

Sonhos e frutos na urbe
Sob o céu cinza.
Os dias, as falas, os passos
Na urbe, seja onde for,
Serão sempre os mesmos
Os dias, falas e passos,
Os frutos, sonhos e sonos,
Beijos, risos e vozes,
Deslocamentos.

Deslouco, percorro,
Distância ocorrida
E tudo eu vejo e ouço
De um ângulo de tantos
Guardado na urbe,
Num canto.

Eu, eu, eu. Sou o conteúdo,
Conteúdo que transporto,
Não importa a distância,
A altura ou velocidade.
Aqui, lá, acolá, e mais adiante,
Serei eu, eu, sempre eu
Minha carga,
Minhas tendências,
Meu próprio silêncio.

Serei eu, eu, sempre eu.
O meu próprio medo.
Não importa o templo,
A beleza da urbe, o tempo.
Serei eu, eu, sempre eu
O meu próprio consolo.

E tu serás, talvez,
Serás talvez sempre espelho,
Não importa onde estejas,
Do que eu possa ser,
Do que eu deva ser,
Do que eu me conceba,
Do que pudesse ser concebido,
Uma grande, completa e estranha
Coincidência.


Pedro Viegas
Porto Alegre, 16/março/2003

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Brilham no quintal


Luta

Luto contra ninguém
E ninguém me vence
Com certeiros golpes.
Procuro me esquivar
Mas ninguém é mais rápido.
Acerta-me um e mais outro
Golpe em seqüência dorida.
Luto contra ninguém
E ninguém me convence
De que estou a perder
Para minha própria sombra.


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 10 de setembro de 2012

sábado, 25 de agosto de 2012

Arrasa-me


Pesquiso, busco,
brusco, preciso
Rastreio em banda larga
Rastreio meu rastro estreito
Desconectado mesmo pesquiso
A razão destas fases
Tantas fases de fases
Pesquiso as tuas
E ouço adentro ouvido
Tuas frases, teu contato
E pesquiso, busco, penso
O sentido que me fazes
A falta que me trazes
Contata-me
E então me arrases


Pedro Luiz Da Cas Viegas 
Porto Alegre, maio, 2004

Amoramaro

A mordo amor 
Com todos dentes 
Dentes cheios, 
Damor tecidos 
Carnes amornas, 
Carnes, sentes? 
Abandonado amorfismo dos sentidos 
Ameno amar 
Amarameno 
Amor amaro 
Amargo destilado dos desejos 
 
 
 
Pedro Luiz Da Cas Viegas 
Porto Alegre, 20/ 02/ 2003

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Inspiração

Gota n'água que faltava.
Vertente de ver-te, reflexo
Concêntrico centrado que mira o foco.
Sabor difunde, cala, maltrata,
Encerra, engloba, mira flores famintas,
Enche bocas, palavras e versos.
Verbos em silêncios.
Versos em murmúrios.
Verbos em altíssonos.
Versos aos gritos
Emergem das águas profundas.
Algum leviatã inspirado.



Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 09 - 11/08/2012

Composição

brotam coisas da terra
dando graças aos céus
o vento quer dizer algo
o zinco solto retruca

vento, poeira, 
móveis cansados
concreto dormente
sussurram luzes perdidas

quadros desbotados
de palavras soltas
brotam bolores 
destilados de horas


pedro luiz da cas viegas
porto alegre, 24 de outubro de 2004

Elixir

Meu mundinho paralelo.
Não conheço o que conheces
Não conheço tuas dores
Desculpa se sou distante.

Reconheço, sou disléxico
Para coisas de emoção
Mas tenho um coração
Que quer sair do letargo.

Quisera tomar um trago
De saudável elixir
De fazer brilhar a alma
Iluminando o existir.

Preciso de um ensejo
Preciso de um contato
Quem sabe com o seu beijo

Desperto, renovo de fato.
Ainda resta esperança
A vida é uma criança.


 Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 10 de agosto de 2012.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Estrelamentos

Há coisas no ar...
Labaredas lambem o láparo
Sob estrelas de colostro enquanto
O lobo leva o  lábaro estrelado.
E lépida lesma lavra a losna
No atulhamento do vaso.
Raízes tramam agregados
No degredo de uma terra
Sob céus azuis austrais.
Estrelamentos são possíveis,
Tudo é possível, arcos sem íris,
Gostar sem desejo: Eis o segredo da paz
Nessas águas revoltas.


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí,  10/08/2012

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Endogenia I

enchi um pote com pedras
roladas lá da barranca
fiz o fogo na macega
e guardei a cinza branca

risquei teu nome na poeira
que se fez sobre a estante
rasguei a roupa na farpa 
do aramado lá da estância

andei bastante, cansei
inútil tanta distância
sem onde se ter chegado

olhei o tigre e o urso
que nada sabem de reis 
e o cachorro amigados

e vi ratos e baratas 
lutando silenciosos
enchi um pote com pedras
de lugares preciosos

esperei tua resposta
sem que houvesse pergunta
lembrei dos meus bois da canga
e me fiz parte da junta


pedro luiz da cas viegas 
porto alegre, 23 de oububro de 2004

Morno amor adorno

Amor
Morno amor
Amorno
Amornece o fogo dos meus dias
Arrefece
Transparece, transfigura
Engana e mutila
A razão desfigurada
Que este amor adorna



Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre,  19-02-2003

sábado, 28 de julho de 2012

Estireno

Plastifólios. As gotas rolam livres.
Ar quasiplexo desfeito no borborigmo.
Leveza maior que a do algodão adocicado
Girando e o vento levando a bola de cor salteada.
Que memória clara e que movimentos.
Traços livres pensam moldado algo que vem,
Na semana, no fim de semana,
Um vaso velho
Arranhado ou semi quebrado,
Cola tudo, nem é possível.
Tecido, tem sido difícil,
Ter sido sarcástico,
De madeira, de carne,
De plástico.




Pedro Luiz Da Cas Viegas
 

Indecorosa

Flor na minha tela
Indecorosa
Mente delicada
Pensa flora
Enquanto a miro tenso

Fina palidez
A imagino
Coisa nova, tez do pêssego

Então a despetalo
Na minha retina


 Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 01/03/2012

Deambulo

Deambulo plenamente
No amplexo do concreto.
No ar semirevolto
Tepidez de plenilúnio

Chão de ruas sujas,
Sarjetares de infortúnio.
Cresce a pressa.
Passos adensados no trajeto.

Confluem vistas para o ponto.
Vago em vias.

Pedro Luiz Da Cas Viegas

Retilineamentos

Preciso continuar nesta linha.
Atesto o desconcerto na brandura calma,
Diafanar de dia findo, tepidez parada,
Luas vazias e mancheias,
Quanto custa, quanto custa.

Giro não é sério sem eixo
Imaginário ou feito de algo.
Bonecos ou não, deixam um espaço
Entre aqui e ali.
E parece haver um caminho ou mais
De uma saída.
Ao menos.




Pedro Luiz Da Cas Viegas

Sapatos

Narilene ganhou três sapatos. Um deles de salto solto. Outro sem a sola estava. Outro, desenhado a lápis sem ponta, Narilene dobrou para colorir outro dia. E seguiu descalça pelos sonhos que podia ter.



Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí - 2012

Ouço

Ouço.
Transporto-me para onde não conheço.
Vejo.
Estou onde sempre estive.
Penso.
Acordado é melhor sonhar.


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, --

Via Crucis

Rua larga.
Pavimento percorrido.
Passos, sussurros, agitação.
Esquecimento no caos de mil solados.
Almas pisadas enegrecidas na fuligem,
Pavimento desgastado;
Pressa, desespero, calma indiferente
Convivem no mesmo fluxo.

Marquises,
Último refúgio,
Observatório da luta:
Mil passantes determinados,
Rumos difusos em mil trajetos
Nos labirintos de concreto.
Olhar perdido no rio caótico
Feito de olhares perdidos em incerto rumo.

Passos incertos,
Duvidosas esperanças.
O meio fio atulhado.
Detritos no esquecimento
Aguardam o destino do descarte.
O pavimento sempre renovado,
As certezas nunca comprovadas.


Via Crucis de miríades.
Sísifus cumprindo o destino.
A carga é pesada.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, 2001

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Chá de jasmim III

Primeiro gole

Calêndulas floridas
Campo grosseiro
Caçador de milagres
Cachorro mateiro

Trilha dos passos
Amassa a ramagem
A picada tem fim
Inicia a viagem

Segundo gole

A marca na casca
A seiva que escorre
Na mata, na lasca,
Na vida que morre

Na folha, no caule,
Nos veios da terra
Na carne ferida,
Nos campos de guerra

Terceiro gole

Despenca o rochedo
Floresce o juá
Espinhos no couro
Saudades de lá

Ossinhos no solo
Solar solidão
O céu está nu
As nuvens se vão

Último gole

Flores na pedra
Suave rudeza
Estrelas de quinta
Primeira grandeza

Noite de cima
Na beira do rio
Corisco no escuro
Brilhar fugidio

O que foi já não volta
O ciclo sem fim
O viver que revolta
-Meu chá de jasmim!


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, 5 de outubro de 2002

Doce Ciranda (Eclipse)

Doce ciranda nossa.
Satelizo-me ao teu ser,
Perfaço no teu entorno minha órbita,
Meu trajeto no espaço duma vida .
Me eclipsas e aceitas atrativa,
Emanas teu raiar, ofusca e guia
Minha eterna idavolta em torno teu.
E já perdi minha luz própria.



Pedro Luiz Da Cas Viegas

Barro

Eu vejo a terra
E vejo tristeza.
Terra molhada de chuva,
Tristeza molhada de chuva.
Suja tristeza da terra.
A vejo triste de chuva.
A vejo chuva de terra.
Triste, vejo o que vejo:
É seca a terra em mim
E falta água que em barro
Molde uma alma, enfim.

 
Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, maio / 2002

Miopia

Vejo as flores da paineira
Como tela impressionista.
Um borrão desta janela;
Minha lente ilusionista.


Pintura que os meus olhos
Criam, assim, à distância
Ao transformarem beleza
Em colorida aberrância.

Transformo, pois, em poema
As distorções deste dia
Para não se tornar em pena
O peso desta miopia.

Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, 03 de abril – 01 de junho de 2012

Via única

Não, não quero dormir
É como morrer inutilmente
Mente inútil adormecida
Com tanta vida latente
Vida latente
Leite de vida
Vida láctea
Tanto leite derramado
Vida, única via
E suas estrelas perdidas



Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, maio de 2002